quarta-feira, 20 de junho de 2012

Debates em julho

No início do mê de julho teremos dois debates importantes:
Dia 02 /07/2012 vamos discutir o livro Amor Líquido,de Zigmunt Bauman. O debate será às 20:30, na Livraria Travessa do Shopping Leblon.
Dia 05/07/2012 será a oportunidade de dividir o debate com Colette Solers, sobre seu livro Lacan, O Inconsciente Reinventado.

Congresso de Convergência

Estou indo para Porto Alegre apresentar um trabalho, que é um resumo de um dos capítulos do meu próximo livro, intitulado: "Você tem fome de quê?"
Abaixo, vocês encontrarão o resumo sobre bulimia, que vou expor em Plenária.

Reflexões sobre a bulimia

Teresa Palazzo Nazar

Médica psicanalista, membro da Escola Lacaniana de

Psicanálise-RJ e membro da École Lettre Lacanienne-Paris

A bulimia se caracteriza pela perda do controle sobre a função alimentar, levando o paciente a devorar os alimentos a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo sem o estímulo da fome. “É preciso comer para preencher o buraco do estômago até quase explodir”, diz uma analisanda, a propósito de sua relação com a comida. A bulimia vem devastando uma multidão de pessoas, sobretudo nos últimos 50 anos. São jovens de 15 a 30 anos, na grande maioria mulheres ocidentais e de educação superior. Mas, talvez em função da globalização, da internet, etc., alguns países orientais começam também a notificar certo número de casos. A bulimia não acomete apenas aqueles que têm condições de acesso à comida abundante – hoje se verifica uma incidência em populações pobres.

Portanto, pode-se dizer que a bulimia tem quase um caráter epidêmico, guardando forte relação com os ideais da vida moderna, cujas causas são muitas, entre elas uma excessiva identificação com os símbolos de sucesso que a contemporaneidade explora, tais como as modelos magérrimas, as belas e bem-sucedidas mulheres liberadas, etc.

O distúrbio alimentar, seja bulimia ou anorexia, em sua obrigação de levar o sujeito a atender às exigências coletivas de um modelo imagético tirânico, produz um profundo sentimento de insegurança, de dependência, de desconhecimento, de desconexão com o mundo real. Vive-se uma desorganização psíquica da imagem.

O que em outras áreas se chama “distúrbio”, a psicanálise nomeia como “sintoma”. Todo sintoma é acontecimento do corpo, irrupção de real que carece de sentido, gozo opaco causador de profundo mal-estar, já que incompreensível para o sujeito. Mas o sintoma é também uma solução, pois todo o sujeito se acomoda às normas d e um discurso pela via de seu sintoma individual, questionando com ele seu assujeitamento ao Outro e, mais profundamente, respondendo à falha na estrutura denotativa da não inscrição do sexo.

Na origem de todo o sintoma está o modo como o sujeito é afetado pela linguagem e sua capacidade de gozar. O inconsciente inventa o sintoma como resposta à ausência de inscrição do sexo (do Outro), ponto traumático gerador de angústia que o sujeito tenta evitar oferecendo seu corpo como objeto.

Se são os discursos que regulam os modos de gozo propiciadores do liame social, então como reconhecer na bulimia como um sintoma de nossa época? O que isso tem a ver com o discurso capitalista que nela se insere?

Somos herdeiros de um século marcado pela falta de novas figuras do amor, em que os sintomas imperam no lugar antes reservado à mostração dessas figuras. O que ocorre, então, é que no lugar dos véus do amor tentando suprir a não relação sexual, surgem a céu aberto as marcar evidentes de uma carência de recursos simbólicos para lidar com esse real. De algum modo ergue-se o objeto para gozar, que o discurso capitalista produz prodigamente no lugar antes ocupado pelas figuras de amor. O corpo é, de todos esses objetos, o mais dramático.

A bulimia é o sinal desta devoração que responde no lugar da angústia e que, por não poder saciar a fome propriamente dita, precisa sair na forma de vômito.

Parece que a possibilidade de um trabalho de elaboração e deciframento do sintoma oferecido pela psicanálise tem sido difícil de ser aceito como ferramenta possível para ajudar esses pacientes. Tal fato estaria relacionado às demandas de urgência em aplacar todo e qualquer sinal de angústia, indicando pouco tempo de elaboração, de trabalho de luto, que possibilitaria aplacar a força da pulsão de morte, perene e silenciosa?

Ao contrário do que se pensa, os distúrbios alimentares atingem, na atualidade, não apenas as mulheres, mas um grande contingente de homens – supõe-se que pelo fato de haver perdido a posição de chefe absoluto da família, de ser questionado sistematicamente quanto à própria virilidade e não mais exercer a posição de prestígio como provedor. Ademais, lhe é exigido sucesso, dinheiro, juventude e competência profissional ilimitados, o que o defronta com uma concorrência cada vez mais difícil de suplantar.

O discurso capitalista é tão categórico que seu efeito perverso pode ser percebido sob a forma de uma angústia quase insuportável, em que o tempo necessário à elaboração de um luto se vê cada vez mais encurtado.

As mulheres são as mais atingidas por esse grave problema. No campo objetivo, elas conquistaram muitos dos direitos que antes eram território exclusivo dos homens, mas, subjetivamente, as coisas se complicaram, pois o enigma da feminilidade parece não ter mais lugar.

Hoje é suposto saber o que “deve ser” uma mulher desejável: ela está nas revistas de moda, na televisão, nos cargos políticos, enfim, em todos os lugares, sobretudo naqueles antes reservados apenas aos homens.

Entender o problema como uma questão que envolve não apenas as mulheres, mas a própria estrutura do feminino implica refletir sobre as influências culturais de nosso tempo. O que isso teria a ver com a também evidente liberação dos costumes?

Freud (1905-2006) havia previsto os efeitos da exposição de crianças à sexualidade dos pais, quando deixa claro que as crianças criam teorias fantasiosas para explicar aquilo que conhecem e lhes causa profunda impressão. Esse verdadeiro trabalho de elaboração, tão fundamental para que se possa atravessar a infância criando uma teoria sexual que permita ao sujeito sublimar as pulsões, muito presentes nesse período, fica comprometido com a banalização do sexual exposto de modo cru, desprovido de enigma, pela mídia, etc.

A questão sobre a feminilidade interroga os psicanalistas. Apesar de muito se dizer sobre o assunto, vale acrescentar que a liberdade obtida pelas mulheres em vários campos não lhes deu muitas respostas sobre sua condição feminina. Paradoxalmente à conquista de uma posição igualitária face aos homens, as mulheres foram perdendo os atributos que durante séculos lhes pertenciam, e se viram despojadas dos elementos identificatórios que as sustentavam como mulheres. Por outro lado, como consequência dessas mudanças no campo feminino, os homens se viram questionados em sua posição viril. Questões que são vividas cada vez mais cedo pelos jovens e crianças, sobretudo as meninas, a precocidade da vida sexual ativa e a demanda de uma competitividade excessiva provocam uma crise de identidade junto a essa população, levando-a a vários distúrbios, entre ele os alimentares, como sintoma do que não conseguem “digerir”.

A menina deve tornar-se sedutora aos olhos das amigas e da “mídia”, e para isso precisa transformar seu corpo infanto-juvenil num corpo de mulher. Sem recursos para responder a tantas exigências, a garota busca refúgio na criança que teria sido, e luta para tornar-se adequada ao modelo exibido na mídia de uma mulher com total domínio sobre seu corpo e seu futuro! Instala-se, então, um conflito.

A valorização de corpos esculturais é entendida como uma exigência necessária, um sinal de boa saúde física e mental e, portanto, abre portas no mercado profissional. Mas a obrigação de ser magro coloca os jovens rapazes à beira do mesmo precipício dos transtornos alimentares de que as jovens, tão comumente, se tornam prisioneiras.

Os mecanismos são os mesmos, sempre começando com uma pequena dieta para “ter melhor aparência” (sic). Logo, logo, aparecem os pensamentos obsedantes de emagrecer um pouco mais e, com eles, o medo e a angústia em relação à comida.

A clínica com adolescentes mostra que esse período da existência, em função das incertezas, medos e descobertas, provoca tanta angústia que o(a) jovem pode sucumbir ao apetite insaciável da moda como forma de tentar aplacar o desamparo vivido.

Referências

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

LACAN, J. Seminário 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1972.

SCHAUSSER, Barbara. La boulimie. Bruxelas: De Boeck, 2002.