Abril de 1993, num dia
qualquer...
Por recomendação de
minha psicanalista Betty Milan, vou conversar com Alain Didier-Weill sobre
psicanálise e arte e sobre o movimento psicanalítico na França. Estou sentada à
varanda de uma simpática brasserie do
6éme arrondissement.
Diante de mim aquele que se tornaria um querido amigo, colaborador e, por que
não dizer, conselheiro em muitas situações difíceis.
Alain foi um grande
psicanalista, contribuindo decisivamente para a minha formação e a de muitos
outros da minha geração, e depois.
Inteligente, rigoroso,
delicado nas intervenções, embora extremamente preciso no que se referia à
teoria e à práxis psicanalítica, foi no entanto sua doçura e seu amor à arte
que desde a primeira aproximação me encantaram.
Muitos encontros e
jantares – em sua casa em Paris, ou na minha no Rio – permitiram que se
estabelecesse uma verdadeira “transferência de trabalho” (pelo menos de minha
parte!), o que fez florescer a amizade, a confiança e o respeito entre nós.
Numa dessas ocasiões
sou surpreendida com um presente – um par de broches coloridos representando
duas borboletas! Surpresa, pergunto a ele o significado e ele diz com os olhos
apertados e num sorriso meio zombeteiro, meio cúmplice: “Ah, minha cara, você é
mais uma encantadora e inquieta brasileira que estou tendo a alegria de
conhecer! Aliás, você se parece em muitos aspectos com a Betty!”
Aceitei o lindo
presente mas confesso que fiquei intrigada. Hoje, porém, tantos anos depois e
quando não posso mais privar de sua presença, entendo um pouco o significado do
regalo.... afinal, da lagarta à borboleta uma transmutação se opera e,
convenhamos, são singelos o voo e a liberdade desses insetos multicolores que
nos fazem sorrir! Alain Didier-Weill era assim: amoroso, inesperado e
extremamente gentil com as mulheres!
Gosto de lembrar de
nossas afinidades em relação sobretudo à literatura e ao teatro, o que me levou
a indicar a publicação na Cia de Freud – cujo editor é meu marido, José Nazar –
de seu primeiro livro sob sua chancela: A
hora do chá na casa dos Pendlebury.
Depois disso foi
largamente publicado no Brasil pela Zahar e Contra Capa, cabendo-nos a honra e
a sorte de difundir seu pensamento no livro Invocações:
Dioniso, Saint-Paul e Freud (Cia de Freud, 1999) e uma série de outros
importantes nomes da psicanálise francesa por ele indicados.
O que pode ser uma
transmissão quando se faz uma invocação ao Outro e este passa a ocupar um lugar
de sideração? Invisibilidade indicada para além da imagem, “o espírito da
música, enquanto inaudito (R/S) tem o poder de agir sobre a parte visível do
corpo (I/R), extraindo de sua especularidade alguma coisa não especular” (p.
24). Assim, a invocação é uma pulsão fundamental, um terceiro invisível que
permite a todo sujeito constituir-se a partir da transmissão da música na fala.
Alain sustenta que é isso que humaniza o bebê e acompanha todo sujeito ao longo
da vida.
Sem entrar na
complexidade teórica feita em Invocações,
posso dizer que a análise sobre essa especificidade pulsional forneceu as bases
de toda a sua teorização sobre a importância das artes para o campo da
psicanálise.
Em todos os seus
textos encontramos a dimensão do humano, nunca uma teorização fria, distanciada
de sua experiência de vida. Esta forma bastante singular de falar e escrever
sobre a clínica psicanalítica, seu olhar perscrutador, sua profunda compreensão
da dor de existir marcaram sua trajetória e angariaram, dentro e fora do campo
da psicanálise, inúmeros discípulos e admiradores – dentre os quais, honrada,
me incluo.