quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

texto enviado para o numero especial da revista D' Insistance, em homenagem à Alain Didier-Wiell

Abril de 1993, num dia qualquer...
Por recomendação de minha psicanalista Betty Milan, vou conversar com Alain Didier-Weill sobre psicanálise e arte e sobre o movimento psicanalítico na França. Estou sentada à varanda de uma simpática brasserie do 6éme arrondissement. Diante de mim aquele que se tornaria um querido amigo, colaborador e, por que não dizer, conselheiro em muitas situações difíceis.
Alain foi um grande psicanalista, contribuindo decisivamente para a minha formação e a de muitos outros da minha geração, e depois.
Inteligente, rigoroso, delicado nas intervenções, embora extremamente preciso no que se referia à teoria e à práxis psicanalítica, foi no entanto sua doçura e seu amor à arte que desde a primeira aproximação me encantaram.
Muitos encontros e jantares – em sua casa em Paris, ou na minha no Rio – permitiram que se estabelecesse uma verdadeira “transferência de trabalho” (pelo menos de minha parte!), o que fez florescer a amizade, a confiança e o respeito entre nós.
Numa dessas ocasiões sou surpreendida com um presente – um par de broches coloridos representando duas borboletas! Surpresa, pergunto a ele o significado e ele diz com os olhos apertados e num sorriso meio zombeteiro, meio cúmplice: “Ah, minha cara, você é mais uma encantadora e inquieta brasileira que estou tendo a alegria de conhecer! Aliás, você se parece em muitos aspectos com a Betty!”
Aceitei o lindo presente mas confesso que fiquei intrigada. Hoje, porém, tantos anos depois e quando não posso mais privar de sua presença, entendo um pouco o significado do regalo.... afinal, da lagarta à borboleta uma transmutação se opera e, convenhamos, são singelos o voo e a liberdade desses insetos multicolores que nos fazem sorrir! Alain Didier-Weill era assim: amoroso, inesperado e extremamente gentil com as mulheres!
Gosto de lembrar de nossas afinidades em relação sobretudo à literatura e ao teatro, o que me levou a indicar a publicação na Cia de Freud – cujo editor é meu marido, José Nazar – de seu primeiro livro sob sua chancela: A hora do chá na casa dos Pendlebury.
Depois disso foi largamente publicado no Brasil pela Zahar e Contra Capa, cabendo-nos a honra e a sorte de difundir seu pensamento no livro Invocações: Dioniso, Saint-Paul e Freud (Cia de Freud, 1999) e uma série de outros importantes nomes da psicanálise francesa por ele indicados.
O que pode ser uma transmissão quando se faz uma invocação ao Outro e este passa a ocupar um lugar de sideração? Invisibilidade indicada para além da imagem, “o espírito da música, enquanto inaudito (R/S) tem o poder de agir sobre a parte visível do corpo (I/R), extraindo de sua especularidade alguma coisa não especular” (p. 24). Assim, a invocação é uma pulsão fundamental, um terceiro invisível que permite a todo sujeito constituir-se a partir da transmissão da música na fala. Alain sustenta que é isso que humaniza o bebê e acompanha todo sujeito ao longo da vida.
Sem entrar na complexidade teórica feita em Invocações, posso dizer que a análise sobre essa especificidade pulsional forneceu as bases de toda a sua teorização sobre a importância das artes para o campo da psicanálise.
Em todos os seus textos encontramos a dimensão do humano, nunca uma teorização fria, distanciada de sua experiência de vida. Esta forma bastante singular de falar e escrever sobre a clínica psicanalítica, seu olhar perscrutador, sua profunda compreensão da dor de existir marcaram sua trajetória e angariaram, dentro e fora do campo da psicanálise, inúmeros discípulos e admiradores – dentre os quais, honrada, me incluo.