quarta-feira, 24 de abril de 2019
quarta-feira, 10 de abril de 2019
quarta-feira, 20 de março de 2019
quarta-feira, 13 de março de 2019
Surrealismo
A partir do dia 29 de março estaremos dando início ao grupo de trabalho sobre o Surrealismo, sob a coordenação de Emilia Lobato Lucindo, Maria Cecilia Bretas, Plinio Leite Jr., Teresa Palazzo Nazar.
Todas as sextas-feiras, de 17:00 às 18:00.
Entrada Franca
Inscrições : 21-22949336, email : secretaria@escolalacaniana.com.br
Surrealismo:
Surgido na década de 20, o Surrealismo foi um movimento profundamente influenciado pela psicanálise, uma resposta vigorosa ao horror da 1ª. Guerra Mundial.
Na década seguinte ao seu aparecimento, o movimento expandiu-se mundo afora influenciando todas as artes reunindo artistas oriundos, principalmente, do movimento dadaísta (surgido em 1916, em Zurique).
Todas as sextas-feiras, de 17:00 às 18:00.
Entrada Franca
Inscrições : 21-22949336, email : secretaria@escolalacaniana.com.br
Surrealismo:
Surgido na década de 20, o Surrealismo foi um movimento profundamente influenciado pela psicanálise, uma resposta vigorosa ao horror da 1ª. Guerra Mundial.
Na década seguinte ao seu aparecimento, o movimento expandiu-se mundo afora influenciando todas as artes reunindo artistas oriundos, principalmente, do movimento dadaísta (surgido em 1916, em Zurique).
Entre as duas grandes guerras, a Europa apresentava o campo da cultura fraturado e o Movimento Surrealista, publicado em outubro de 1924 por André Breton marcou , não apenas o início de uma nova concepção artística, como sacudiu a política e os costumes conclamando os artistas ao resgate das emoções, ao reconhecimento da presença do inconsciente em todas as manifestações do humano.
Nesse grupo de trabalho iremos analisar as influências desse movimento na psicanálise pós Freud, abordando as obras de seus principais representantes:
André Breton, Alberto Giacometti,Antonin Artaud, Salvador Dalí, Joan Miró, René Magritte, Max Ernest, Luís Buñuel, Paul Éluard, Louis Aragon e Jacques Prévert
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019
A Tragédia Grega Antiga / O Percurso de uma Análise
BREVE COMENTÁRIO SOBRE A TRAGÉDIA E
SEUS ENSINAMENTOS
ACERCA DA LIBERDADE DO HOMEM
Brief comment on tragedy and its
teachings about the freedom of man
Teresa
Palazzo Nazar
Médica, psicanalista, membro da Escola
Lacaniana de Psicanálise-RJ
E-mail: teresapapazzonazar@gmail.com
Celular e WhatsApp: +55 21 995 69 61 48
Resumo
Abordam-se
questões fundamentais para o entendimento do que há de semelhante entre o ato
do herói trágico e a experiência de uma análise em sua finalização. Quais as
implicações éticas e políticas envolvidas na relação do sujeito com a pólis e
com seu pensamento crítico. O ato do herói, desafiando a própria morte para
inscrever seu nome na imortalidade aproxima-se do ato psicanalítico ao final de
uma análise, quando o sujeito abandona sua demanda de reconhecimento para
responsabilizar-se por seu desejo. Quais as consequências em se saber da
presença da morte, em considerar a efemeridade da vida nas relações com o
semelhante e consigo mesmo? A significação tanto do ato do herói trágico quanto
daquele que termina sua análise se mostra como o Até, ou seja, o limite do encontro inexorável com a angústia de
castração, com a morte. Essas questões tão caras à relação do homem consigo mesmo
e com seu semelhante devem pautar as ações do homem contemporâneo para que as
próximas gerações tenham futuro e para que o campo da cultura avance na direção
de uma nova HUMANIDADE.
Palavras-chave: Tragédia,
inconsciente, ato, angústia, desejo, humano.
Abstract
Brief comment on tragedy and its teachings about the freedom of man. The text focuses on essential issues for the understanding of the
similarities between the act of the tragic hero and the experience of
psychoanalysis in its final stages. What are the ethical and political
implications involved in the relationship of the subject with the Polis and with his critical thinking.
The hero’s act, defying his own death in order to inscribe his name in
immortality, approaches the psychoanalytic act in the final stages of an
analysis. It is then that the subject gives up his demand for recognition to
become responsible for his desire. What are the consequences of becoming aware
of the presence of death, of considering the ephemerality of life in the
relationships with the other and with the self? The significance of both the
tragic hero’s act and that of the one who concludes his psychoanalysis appears
as the Até – the boundary between the
inevitable meeting with the castration anguish, with death. Such issues, which
are so dear to the relationship of man with his self and with his fellow human
beings must regulate the actions of the contemporary man so that the next
generations might have a future and area of culture might advance towards a new
HUMANITY.
Keywords: Tragedy,
unconscious, act, anguish, desire, human.
Breve comentário sobre a tragédia e seus
ensinamentos
acerca da liberdade do homem
“Há muitas
coisas formidáveis no mundo,
mas não há
nada mais formidável do que o homem”.
(Sófocles, Antígona,
coro, verso 332, p. 332) (1)
“Para Claude
Lévi-Strauss
o que o coro
diz aqui do homem é, verdadeiramente,
a definição
da cultura como oposta à natureza.”
(p. 332) (1)
Introdução
O convite
para escrever um dos artigos deste livro serviu-me como oportunidade para
retomar meus textos sobre o trágico e sua relação com a psicanálise.
Foi nessa
perspectiva que me debrucei sobre alguns artigos escritos para diversas
palestras, recolhendo deles os pontos principais para estabelecer a conexão
entre essas quatro áreas de produção de saber – Psicanálise, Direito,
Literatura e Artes – e confeccionar uma costura de assuntos tão diversos no
rigor de suas especificidades, entretanto possíveis de dialogar entre si no que
se refere às questões do humano, isto é, à dor de existir.
Algumas
anotações das aulas ministradas pelo querido Agostinho Ramalho Marques Neto, na
Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro, serviram-me de bússola para
escrever esse pequeno texto em sua homenagem. Tarefa nada fácil, tratando-se de
um profundo conhecedor das “tragédias gregas” e do conceito ulterior – “o
trágico”. Ao mesmo tempo, constituiu-se uma prazerosa ocasião para revisitar e
rememorar no escrito seus preciosos ensinamentos, aqui compilados e mesclados
com minha modesta interpretação do que escutei e pude pesquisar.
Se é com o que muitos escritores
chamam de “fé poética” que se inicia a leitura de um livro, é com ela, também,
que me lanço a escrever no tempo de tessitura desse escrito, deixando-me
conduzir por “mares nunca dantes navegados”, já que o território da práxis do
Direito me é totalmente desconhecido. De modo que apenas deixarei aqui algumas
questões advindas da experiência clínica e teórica com a psicanálise e,
certamente, algumas reflexões surgidas de meus estudos nos campos das artes e
literatura, bem como daquilo que pude depreender das aulas de Agostinho a
propósito do Direito na Grécia Antiga e seus ecos na contemporaneidade.
Da cena do
mundo cada campo de saber recorta seu quadro, imprimindo as imagens (acústicas
e visuais) cujos elementos compõem a montagem de sua episteme e doxa,
inventando sua práxis. Essa outra cena recortada da experiência de cada uma
dessas áreas de saber é organizada pela colocação do desejo inconsciente em
ato, trabalhando na filigrana dos discursos estabelecidos e sempre em
movimento, ao longo do processo civilizatório e do estabelecimento dos pilares
da cultura.
É disso que
este texto tem a pretensão de se ocupar e trazer alguma luz a partir do olhar
dirigido ao homem em seus conflitos psíquicos e suas ações.
Da Grécia Antiga,
alguns fugidios ecos
Os gregos
antigos tinham toda a razão quando pensaram seu teatro. Sim, para que houvesse
ação era necessário usar da verdade e lançar mão de uma lógica quaternária: o
ator, o coro, o público e o discurso emergente na voz do ator. Mimese do que
ocorria na vida dos cidadãos, a cena trágica mostrava o que dizia respeito à
estrutura subjetiva, isto é, uma divisão na qual, de um lado, havia os
compromissos e deveres do homem grego para com a pólis e, de outro, suas
demandas e o desconhecido de seu desejo.
Assim, a
tragédia era uma mostração, e ainda
é, da verdade de cada um, da lógica do real, simbólico, imaginário e sinthoma
que estrutura o pensamento inconsciente, sendo este último representado pela
fala e discurso do ator. Pois, afinal, os gregos de ontem assim como cada um de
nós eram atores no muito complexo palco da vida onde é encenada a miséria de
uma existência voltada, inexoravelmente, para Hades!
A morte
sempre está com o homem como sombra indesejada e, se pensarmos no mundo antigo,
a tragédia ática, que teve seu ápice no século V a.C., é memória em ato do que
teria sido viver naqueles tempos. Rico ou pobre, cidadão da pólis ou escravo, o
que dava o tom da realidade eram as guerras, as doenças. Entretanto, toda a
precariedade do homem para lidar com as intempéries, as bruscas mudanças de
poder impingindo perdas de todos os tipos, inclusive da própria vida, moldaram
esse discurso sofisticado e exemplar para mostrar de que matéria,
verdadeiramente, era feito o ato do
herói trágico.
Talvez por
ser fascinante e assombroso ver e ouvir outro dizer de seus sentimentos mais
secretos, da força que movimenta o herói em direção ao seu destino inexorável, de
como esse destino estava traçado na linha da vida de cada um, expliquem a catarse
produzida na plateia e, por que não dizer, a irrupção de uma verdade no ato do
ator. Verdade essa que interessará à psicanálise, primeiro na teorização de
Freud e depois na de Lacan.
Freud tomou
emprestado o Édipo de Sófocles para fundamentar a estruturação psíquica de todo
neurótico. Porque, do mesmo modo que os gregos sabiam que era preciso criar uma
consciência trágica em seus cidadãos, levando-os a perceber sua função na pólis,
na relação com seus semelhantes e suas submissões à vontade dos deuses, Freud
pretendeu arrancar o neurótico da condição de oprimido pelo próprio fantasma,
franqueando-lhe, com a experiência de uma análise, o acesso ao desejo e à ética
aí implícita. Daí, pôde surgir uma pequena margem de liberdade em relação aos
preconceitos impostos pela “vida civilizada” e sua dívida de amor parental; amor
este que aprisiona subjetivamente na medida em que estabelece uma relação de
compromisso sempre desigual... pois um filho bem amado por seus pais adquire a
dívida desse amor enigmático, assim como aquele que se vê abandonado tem a
dívida de um desamor cujas razões lhe escapam.
Portanto,
mesmo se as finalidades fossem relativamente distintas na Grécia Antiga em
relação à modernidade na qual vivia Freud, a função era (e ainda é) a de levar
o sujeito a despertar do sono das demandas impostas pela cultura. Para sonhar e
ter o protagonismo de um herói é preciso assumir o que se deseja. É necessário querer
o que se deseja, enfrentando os fantasmas construídos para evitar a angústia de
ser o único(a) a responder por seus atos. Além disso, a percepção do tragicômico
da existência de cada um expõe a miséria do humano, tornando o sujeito
consciente da fragilidade diante da morte, o seu “ser para a morte”.
Entretanto,
a luta de todo herói é a do sujeito em busca do “ser” que o habita. As velhas
questões guardadas no inconsciente sobre de onde se vem e qual a finalidade da
vida encontram, no herói trágico, uma resposta no destemor com a morte física e
na exaltação do eternizar seu nome, pois viola os limites de Até (limite) para fazer valer seu
desejo, isto é, ektos atas (passar dos
limites). Passar do limite imposto pela mortalidade corporal implica a injunção
de um desejo que ultrapassa as leis escritas na pólis, evocando a imortalidade
dos deuses como outro modo simbólico de existir na memória das gerações
vindouras.
Tal condição absoluta do desejo
no herói trágico é, também, a que se espera daquele que se lança na tarefa de
vasculhar seu inconsciente, cavando uma resposta na memória reconstruída através
da experiência em dizer, na primeira pessoa do singular, em nome de quem/do que
fala.
Nenhuma dessas duas possibilidades é para
todos, mas aquele que tem a coragem de fazer valer a ética do desejo que o move,
que não teme a morte e a desafia para inscrever seu nome no Panteão dos
imortais, faz da angústia o motor de seu ato, avançando onde muitos recuam. Assim,
podemos dizer que é o trágico do “homem que não pensa com sua alma, mas com
seus pés” que se coloca em marcha, como disse Aristóteles, fazendo com que
trafegue por “mares dantes nunca navegados”, mas na certeza do destino tomado
em seu ato, ponto sem retorno onde a verdade força a passagem no campo do saber,
levando o sujeito rumo ao desconhecido.
Para além das demandas
imaginárias (da pólis, do Outro) está o absoluto do desejo, trajetória do ato
sem nenhuma conciliação. Por isso, o herói é aquele que atravessa a zona do
entre-duas-mortes para ter acesso à liberdade de agir conforme sua condição de
sujeito, assujeitado ao inexorável da morte.
O lamento do herói diz respeito
ao fato de saber de sua humanidade, sua breve existência, sendo esse o sentido
de Até. Pois as palavras dão vida e
podem ser transmitidas a outrem, mas não podem dizer “a morte” que o herói
grego não teme e que quer ultrapassar. É essa desmedida que será punida: seu
erro de julgamento.
Por isso, a relação do desejo com
o ato é mostrada na tragédia grega como um colapso – o herói encontrando na
morte o limite que lhe cabe como mortal.
Do mesmo modo, o universo do
inconsciente de cada um é impossível de ser abarcado pelas palavras, por melhores
que sejam, pois elas recobrem com o sentido que carreiam o vazio do que não
pode ser dito porque fora dos discursos. O brilho dos ditos é insuficiente para
extinguir a opacidade do silêncio imperativo da morte, do que fica por se dizer.
O Wo Es war, soll Ich werden
freudiano soa como adágio ao desemparo de todo homem frente ao que resta
inconsciente.
O tempo do
pensamento é fugaz! A vida, em sua transitoriedade, mostra-nos que nossos
sonhos, nossas fantasias, o que e quem somos, tudo se apaga com nossa morte.
Mas a cada vez que um sujeito tem a coragem de dizer seu nome, tecido nas dores
e cores de sua experiência; a cada vez que se consegue ser ator/autor de sua
“obra”, uma transmissão pode se efetuar. O sonho de grandeza de toda a
humanidade é alcançar um patamar civilizatório no qual cada semelhante, em sua
diferença, tenha a chance e o direito de escrever seu nome nas tábuas da
posteridade.
Essa
imposição ética de ser responsável por seus atos e de entender que seu desejo
termina onde encontra o de outrem talvez seja utópica, mas é na insistência em
alcançá-la que é possível fazer parte, verdadeiramente, do processo
civilizatório. A verdade de cada um está no escrever sua ética no livro comum
da humanidade, abandonando a terra conhecida de seus preconceitos, suas dúvidas
e dívidas para deixar-se levar pelo dizer das entrelinhas, brotando no
inesperado, no súbito de um novo dizer, tal qual nos mostra o conto
interminável de Sheherazade, como ressalta Calvino:
“A arte que permite a Sheherazade salvar sua vida a
cada noite está no saber encadear uma história a outra, interrompendo-a no
momento exato: duas operações sobre a continuidade e a descontinuidade do
tempo. É um segredo de ritmo, uma forma de capturar o tempo que podemos
reconhecer desde as suas origens: na poesia épica por causa da métrica do
verso, na narração em prosa pelas diversas maneiras de manter aceso o desejo de
se ouvir o resto.” (p. 5) (2)
Mas é na
vida cotidiana, na qual o tempo é quase sempre desprezado em sua tarefa
contínua de “mastigar” os acontecimentos relegando-os ao esquecimento, que se
pode encontrar uma boa razão para transformar o irrisório ou improvável em algo
de relevância ou motivo de entusiasmo. É o homem que toma em suas mãos a
dimensão trágica de sua existência que pode olhar seu tempo com o
distanciamento crítico necessário para ver, sem temer, o abismo de sua própria
perda, para além de sua imagem. O teatro da vida, desfile de semblantes e
máscaras coloridas e belas, foi matéria para a construção da arte trágica
grega, essa arte que nos mostrou sobre a cena do mundo o que veio a se tornar
uma antinomia da razão moderna, bem como sua solução, a fonte de litígio e de
aporias da metafísica dogmática que ocupou os filósofos dos séculos XVIII e
XIX.
Possa eu
interpretar essa força motriz da tragédia grega sobre o homem pensador da era
da razão, direi que é a luta do homem para ultrapassar, no conflito de sua
liberdade e nos limites de sua humanidade, a potência de um mundo objetivo que
lhe exige respeitar o conjunto de leis que contrariam a Lei do desejo, na
medida em que limitam sua liberdade de ação.
O homem da
tragédia grega não sucumbe sem combate, não aceita seu destino sem sobre ele
agir, no uso de seu desejo de imortalidade, mesmo que a punição por sua
desmedida já esteja sobredeterminada.
“A tragédia grega honraria a liberdade humana fazendo combater seus heróis contra a
superpotência do destino; para não ultrapassar os limites de sua arte, ela teve
que deixá-lo perecer; mas, para
reparar também esse rebaixamento que a arte impusera à força a liberdade
humana, ela deveria igualmente o fazer expiar – mesmo que por um crime
perpetrado pelo destino [...] Era uma grande ideia tomar voluntariamente sobre
si a punição, mesmo que por um crime inevitável,
a fim de testemunhar, até na perda da liberdade, essa mesma liberdade e
sucumbir proclamando sua vontade livre.” (p. 25) (3)
O homem
comum aceita seus interditos porque estes são a proteção contra o pior,
entretanto, mesmo estando a eles submetidos, ele sonha com o excesso, uma
liberdade sem amarras, sem os compromissos da vida partilhada com outros, a lhe
impor restrições. Talvez por isso a tragédia grega provocasse catarse, esse
arrebatamento que só a profunda identificação com o herói, no sentimento de
concretizar no ato de um outro sua necessidade mais íntima de liberdade,
permitindo a materialização de um combate pela luta do bem precioso que é o
exercício de uma vontade potente de ultrapassar, pelo ato, os limites da vida
na pólis, em direção à glória da eternidade.
Essa
condição ética de um desejo inquebrantável encontrou, no destino de punição por
tal ousadia, seu limite. A pergunta que me coloco e que talvez seja
interessante tentar responder não é o porquê de os gregos antigos terem
valorizado por tanto tempo esse modo de mostração de uma verdade que lhes era
comum, mas o motivo pelo qual os pensadores que ainda nos valem como referências,
como Kant, Schelling, Hegel, Holderlin, e tantos outros, mais de vinte séculos
depois debruçarem-se sobre essas obras para construir seus argumentos
filosóficos.
Tanto Freud quanto Lacan sorveram
dos gregos antigos e suas tragédias a matéria-prima para suas elucubrações
sobre o funcionamento do inconsciente, delas fazendo o exemplo fundamental da
estrutura psíquica, da ética do desejo, da função do Supereu e da culpa.
Sobre isso,
vale a pena uma reflexão mais aprofundada para entender algo sobre os tempos de
hoje.
A morte da tragédia e
o nascimento da política
Pensar a tragédia grega antiga
simplesmente como uma obra de arte já distanciada de nossa realidade é uma
superficialidade e um erro. Pois ela é o primeiro tempo de um despertar para a
vida subjetiva, para um além da ação física. Por ser o primeiro marco
civilizatório, a encenação das tragédias mostra a força do desejo, das pulsões
do homem e os limites impostos pelo convívio com o semelhante. Esses limites,
muito além da objetividade, tocam a Lei de todo falante. Quer dizer, mesmo
transgredindo eventualmente o código de leis da cidade, o homem civilizado deve
saber que seus impulsos mais secretos não podem ser liberados. É preciso
sublimar as pulsões para avançar no processo civilizatório. É necessário deixar
a barbárie para tomar o semelhante como sagrado e lhe oferecer a palavra como
via mediadora para as diferenças. Assim nasceu o discurso poético e, na
sequência, o discurso filosófico e científico. Sim, porque foi preciso,
inicialmente, cantar os feitos heroicos de sua brava existência para que o
homem grego pudesse suportar o peso e a proximidade do real da morte.
Há uma sensível diferença entre a filosofia
e a arte dos poetas da Grécia Antiga. Platão julgou poder encerrar a
importância do culto à tragédia em sua República.
Entretanto, ao excluir o poeta trágico da pólis, Platão deixava empobrecida a
capacidade reflexiva, a “teoria” sobre a função e o lugar do homem na cena do
mundo.
Aristóteles trouxe de volta, em sua Poética, a importância da arte e do
discurso poético e fez coabitar arte e filosofia no seio da pólis, permitindo
aos cidadãos o prazer de se identificar com o herói e, ao mesmo tempo, fornecendo
o campo de reflexão, altamente político da ação deste e suas consequências.
Aristóteles será retomado pelos
filósofos do século XVIII e XIX, sobretudo Schelling, Hegel e Holderlin, que
viam na reabilitação da poesia trágica um modo de pensar a política e a ética
de seus contemporâneos. Por serem mortais, seus juízos, falhas, decisões equivocadas,
paixões desmedidas eram sujeitos a punições tanto pelos deuses quanto pelos
homens. Para eles, os poetas trágicos transmitiam a primeira ideia de limites
no convívio com o semelhante, no compromisso ético com seus pares e a pólis e,
finalmente, mostravam que havia fragilidade no agir, mas uma vida sem desafios
era uma vida pobre, medíocre. Viver sem correr riscos era como querer uma vida
pálida, sem o brilho do amor e da amizade... uma vida sem os outros, isenta de
paixões, não poderia ser chamada de vida.
Os espectadores atenienses
aprendiam, de uma só vez e em cada exibição de tragédia, a importância do agir
e dos negócios entre os cidadãos; observavam o lugar de cada um, seus deveres e
direitos em meio ao pathos, à hybris e à catharsis.
Platão havia privilegiado a teoria
filosófica, mas Aristóteles demonstrou que a filosofia era falha porque baseada
em seres divinos para ditar a medida justa dos homens, mortais e finitos.
Assim, a teoria era incapaz de
extrair dos conceitos de ética e política o que pretendia fundamentar, isto é,
a verdade sobre o homem e sua ação. Foi
Aristóteles quem encontrou um modo de fazer os campos da arte e da filosofia
não mais se oporem, e foi também ele quem mais influenciou, no “só-depois”, os
filósofos que pensaram o agir moral e legal que até hoje nos influencia. Assim,
por tratar do que é humano e do conflito entre o uso da liberdade e o
compromisso com a vida na pólis, as tragédias puderam ser retomadas e
analisadas à luz do mundo moderno ocidental. Esse mundo onde é perceptível a
ausência da importância da ideia de destino;
um mundo cuja crise evidente de valores marca o amanhecer de um novo tempo.
Entretanto, há um “destino trágico”
do qual a humanidade finge não saber. Trata-se de refletir sobre o passado para
alcançar algo da verdade sobre o presente e, com isso, poder suportar o
inexorável futuro que é a morte para todos.
A transitoriedade da vida é, também,
a garantia de que tudo se renova. E, talvez, nesse tempo fugaz em que todas as
formas de vida se sustentam na graça de sua efemeridade possa o homem encontrar
e aceitar o limite de sua liberdade de ação, respeitando os que o cercam, neles
comemorando sua própria diferença. Na abordagem da natureza, de onde retira seu
sustento, deve o homem lembrar-se de que as próximas gerações nela viverão,
sendo hoje o momento de fazer as escolhas que irão determinar sua
sobrevivência.
O que foi a política e a ética para
os pensadores e poetas da Grécia Antiga, o que ela se tornou no mundo moderno
dos grandes filósofos do Iluminismo e suas consequências no mundo
contemporâneo, no qual a psicanálise se mostra como ferramenta fundamental para
o entendimento do funcionamento psíquico, pode nos fornecer uma chave para
pensar algumas possibilidades de um futuro, no limite do encontro do homem com seu
semelhante.
Aquele que viveu e morreu como
semelhante não poderia ser banido da Lei que regia sua condição de falante. É
em nome dessa fraterna condição humana, do ser submetido às trocas simbólicas,
que Antígona se mantém fiel ao irmão, limite entre o ser e o não-ser, ex nihilo nihil fit quando
a linguagem impõe ao homem o corte fundamental que o torna vivo para o jogo
“político” da vida subjetiva e da relação com os outros.
Antígona diz isso, claramente, a Creonte,
na “tradução”/interpretação de Lacan:
“Meu irmão, ele é tudo o que
quiserdes, o criminoso, ele quis arruinar os muros da pátria, levar seus
compatriotas em escravidão, ele conduziu os inimigos para os territórios da
Cidade, mas enfim, ele é o que é, e o que está em questão é prestar-lhe as
homenagens funerárias. Certamente não tem ele o mesmo direito do que o outro,
vós podeis muito bem contar-me o que quiserdes, que um é o herói e o amigo, que
o outro é o inimigo, mas eu respondo-vos que pouco me importa que isso não
tenha o mesmo valor aqui embaixo. Para mim, essa ordem com a qual vós ousais
intimidar-me não conta nada, pois, para mim, em todo caso, é meu irmão.” (p.
337) (1)
Então, para
essa heroína trágica, o valor da áthaptos
é insubstituível, pois cada irmão é único em sua condição. Nem marido, nem
filhos estão no mesmo campo onde o significante ligado ao pai estabelece sua Lei
e reserva, a cada um dos filhos, seu lugar na descendência. Entretanto, a philia, termo tão importante para
entendermos o que seria esperado dos laços entre os humanos, também está implícito
na fala de Antígona.
Amizade e
amor, philia, amadurecimento e
sabedoria do homem que reconhece o que pode significar para o semelhante a sua
morte e por isso busca no espelho do semelhante a eternização de sua imagem e,
no endereçamento da palavra ao outro, a garantia de se fazer lembrar na memória
de quem o sucede.
É esse
valor da linguagem eternizada nos discursos circulantes que pode fazer face ao ultraje maior, ao ultrapassar os limites
políticos e éticos que regem a pequena margem de liberdade de cada sujeito.
Isso a psicanálise resgatou dos textos das tragédias, comparando-as com a
dimensão trágica da própria experiência psicanalítica.
Seria o
objetivo maior de uma análise levada a termo fazer o sujeito reconhecer a
efemeridade de sua própria existência, a solidão de cada um em seus
pensamentos, seus sentimentos, sua vida e sua morte. Daí a importância em ter,
no entusiasmo em fazer vigorar seu desejo, a exata medida do limite que lhe
cabe.
Quais as
consequências éticas de se saber sobre o inconsciente? Qual a política que pode
ser justa, inclusiva, e na qual o desejo de cada sujeito encontre lugar sem que
o desejo do outro seja constrangido e/ou ultrajado?
Conclusão
Entender a função da tragédia na experiência de uma análise
permitiu-me encontrar respostas para o que se passa no processo analítico, bem
como entender as relações humanas tanto do ponto de vista político quanto
ético.
A descoberta do
inconsciente conduziu Freud à cura dos sintomas de seus pacientes, mas não foi
esse seu grande feito. Sua compreensão do sofrimento humano e das veredas dos
sintomas fez com que o mestre de Viena extraísse da experiência da escuta algo
transformador para as relações do homem consigo mesmo e com os que o cercam.
Por ser afinado com seu tempo, pôde extrair dos resultados da clínica
ensinamentos para a vida em sociedade. Sua preocupação foi também a de Lacan,
sempre voltado para os problemas do homem com seu tempo.
A vida de cada sujeito reflete-se nas relações em
sociedade. Tudo o que não é elaborado retorna no real e é aí que podem
acontecer grandes estragos subjetivos e objetivos, tanto na vida pessoal quanto
na comunidade.
A dimensão trágica inerente ao percurso de uma análise é
semelhante à experiência do herói trágico, na medida em que leva o sujeito a
defrontar-se com sua própria perda, sua morte. Se o herói não pode fugir ao seu
destino, é dele que terá que extrair sua verdade.
Uma análise ensina a
aceitar o limite do que se mostra como possibilidade de realizações em relação
ao desejo; meu desejo termina onde começa o do outro, mas o importante é saber
que esse limite do qual extraio minha potência ética e política não é uma
verdade absoluta. Perder as ilusões, as quais desviam do caminho do desejo, é
aceitar a castração como o que me permite conviver, compartilhar com os outros.
O universo das demandas cotidianas adormecem o homem para
sua real tarefa de agir conforme seu desejo. Essa posição política e ética
diante de si mesmo coloca-o frente à verdade que é a sua causa. Ao aceitar
perder seu ser de natureza para se transmutar em um ser de palavras proíbe-lhe
esquecer que este é o ato que lhe cabe.
Estar submetido ao campo da fala e da linguagem é renunciar
à pura “pulsão de morte”, ao ato impulsivo de destruição. A dimensão do trágico
está no fato de que todo homem está prometido à morte. É essa verdade que
deveria pautar as relações entre os falantes, permitindo-lhes a compaixão pelo
sofrimento comum de se estar de passagem com outros pela cena do mundo.
Referências
1. CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das
Letras, 2012.
2. LACAN, Jacques. A ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
3. THIBODEAU, Martin. Hegel e a tragédia grega. São Paulo: É
Realizações, 2015.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
texto enviado para o numero especial da revista D' Insistance, em homenagem à Alain Didier-Wiell
Abril de 1993, num dia
qualquer...
Por recomendação de
minha psicanalista Betty Milan, vou conversar com Alain Didier-Weill sobre
psicanálise e arte e sobre o movimento psicanalítico na França. Estou sentada à
varanda de uma simpática brasserie do
6éme arrondissement.
Diante de mim aquele que se tornaria um querido amigo, colaborador e, por que
não dizer, conselheiro em muitas situações difíceis.
Alain foi um grande
psicanalista, contribuindo decisivamente para a minha formação e a de muitos
outros da minha geração, e depois.
Inteligente, rigoroso,
delicado nas intervenções, embora extremamente preciso no que se referia à
teoria e à práxis psicanalítica, foi no entanto sua doçura e seu amor à arte
que desde a primeira aproximação me encantaram.
Muitos encontros e
jantares – em sua casa em Paris, ou na minha no Rio – permitiram que se
estabelecesse uma verdadeira “transferência de trabalho” (pelo menos de minha
parte!), o que fez florescer a amizade, a confiança e o respeito entre nós.
Numa dessas ocasiões
sou surpreendida com um presente – um par de broches coloridos representando
duas borboletas! Surpresa, pergunto a ele o significado e ele diz com os olhos
apertados e num sorriso meio zombeteiro, meio cúmplice: “Ah, minha cara, você é
mais uma encantadora e inquieta brasileira que estou tendo a alegria de
conhecer! Aliás, você se parece em muitos aspectos com a Betty!”
Aceitei o lindo
presente mas confesso que fiquei intrigada. Hoje, porém, tantos anos depois e
quando não posso mais privar de sua presença, entendo um pouco o significado do
regalo.... afinal, da lagarta à borboleta uma transmutação se opera e,
convenhamos, são singelos o voo e a liberdade desses insetos multicolores que
nos fazem sorrir! Alain Didier-Weill era assim: amoroso, inesperado e
extremamente gentil com as mulheres!
Gosto de lembrar de
nossas afinidades em relação sobretudo à literatura e ao teatro, o que me levou
a indicar a publicação na Cia de Freud – cujo editor é meu marido, José Nazar –
de seu primeiro livro sob sua chancela: A
hora do chá na casa dos Pendlebury.
Depois disso foi
largamente publicado no Brasil pela Zahar e Contra Capa, cabendo-nos a honra e
a sorte de difundir seu pensamento no livro Invocações:
Dioniso, Saint-Paul e Freud (Cia de Freud, 1999) e uma série de outros
importantes nomes da psicanálise francesa por ele indicados.
O que pode ser uma
transmissão quando se faz uma invocação ao Outro e este passa a ocupar um lugar
de sideração? Invisibilidade indicada para além da imagem, “o espírito da
música, enquanto inaudito (R/S) tem o poder de agir sobre a parte visível do
corpo (I/R), extraindo de sua especularidade alguma coisa não especular” (p.
24). Assim, a invocação é uma pulsão fundamental, um terceiro invisível que
permite a todo sujeito constituir-se a partir da transmissão da música na fala.
Alain sustenta que é isso que humaniza o bebê e acompanha todo sujeito ao longo
da vida.
Sem entrar na
complexidade teórica feita em Invocações,
posso dizer que a análise sobre essa especificidade pulsional forneceu as bases
de toda a sua teorização sobre a importância das artes para o campo da
psicanálise.
Em todos os seus
textos encontramos a dimensão do humano, nunca uma teorização fria, distanciada
de sua experiência de vida. Esta forma bastante singular de falar e escrever
sobre a clínica psicanalítica, seu olhar perscrutador, sua profunda compreensão
da dor de existir marcaram sua trajetória e angariaram, dentro e fora do campo
da psicanálise, inúmeros discípulos e admiradores – dentre os quais, honrada,
me incluo.
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